Pensados, ditos e escritos.

quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Cresceu (ou Less Means More)


You're me?? Look at you!
Fotografia ©Afonso Moreira Pires


De repente, mas assim sem aviso prévio (pelo menos não tinha dado por nada) era adulto.
Ou melhor, era grande, em estatura e em idade, que entre grande e adulto há muita coisa para fermentar.
Mas foi um dia frio, frio por ser inverno, que o acordou com a novidade de que era grande, e a caminho de adulto.
Crescido não.
Os crescidos esquecem-se sempre das coisas simples, verdadeiras e que fazem sonhar, em casa de manhã. E quando dão por si passou toda uma vida sem chegar a lado nenhum além do fim do mês para receber o salário e continuar a rebolar pelo mês seguinte, rumo à reforma.
Nem reparam na mulher, nos filhos, no sol ou na chuva. Isso são só factos do mundo lá de fora com que eles têm que aprender a lidar para não arruinarem a sua crescidice.

Mas foi uma coisa que lhe aconteceu.
Claro que, se psicologarmos a questão, vamos dar com imensos actos, decisões e escolhas que o levaram a tornar-se adulto. Mas o que mais o abismou foi o facto de ser algo que simplesmente chegou.
Da mesma forma que uma notícia inesperada, ou uma rajada de vento chegam sem as podermos antecipar, aqui também não houve aviso, pompa ou circunstância.
Talvez tivesse imaginado uma festa, ou um arco triunfal sob o qual passaria, um qualquer rito que marcasse o facto de ser, daí em diante, um Adulto de pleno dever e direito (achavam que os deveres iam ficar de fora? Nem pensar!) e o anunciasse à sociedade.

E sabem porque reparou?
Foi o miúdo, que anda sempre a espreitar debaixo das pedras à procura de bichos, que o arrasta tantas vezes para as partidas que engendra, que lhe disse trouxe, na sua impulsividade, um amigo para ficar lá em casa.
Este amigo era uma versão mais velha do miúdo, igualmente divertido, mas com uma coisa que lhe faltava. Trazia uma mochila cheia de responsabilidade.
Uma responsabilidade a sério, com compromisso e tudo.
Nada daquelas tretas da culpa, mas sim um cuidar do que o rodeia.

E ele olhou ao espelho e viu que era Adulto, por causa do seu miúdo interior, que lhe trouxera a soltura necessária para que se prendesse ao essencial.

É aqui que os Adultos são diferentes dos Crescidos.
Para um Crescido é tudo, mas tudo, algo essencial. E o que é essencial prende-nos, amarra-nos a uma estaca no chão.
Agora imaginem:
Se estivermos amarrados a muitos essenciais – ter muitas coisas da moda, ser importante, ser bem visto, ter o nosso mundinho moldado a nós – é como se estivéssemos presos a várias estacas. E quando se está bem preso, para nos movermos – porque para chegar a algum lado é preciso movermo-nos – das duas uma: ou largamos uma parte de nós, que fica agarrada à corda; ou rompemos a corda e rejeitamos um dos “essenciais”.

É como um cão preso com uma corrente pequena, que tem a comida no limite da corrente, e não consegue lá chegar.
Mas se estivermos amarrados ao Essencial, ao que É a sério, esse não está no chão, não nos prende, pode ir connosco e ajudar-nos a manter o referencial centrado. Pode até, por ser absoluto, ajudar-nos a ir mais longe, mais dentro do que é sermos gente, gente Adulta, não Crescida.

E foi essa responsabilidade que o seu novo inquilino lhe trouxe. Em suma, tinha todas as ferramentas e era, agora sim, um verdadeiro Adulto.

Mas como Adulto (ao contrário do Crescido), o miúdo continuou consigo, e de vez em quando fazia das suas. Ainda era ele a sua casa.
Havia dias em que, fascinado com um qualquer bicharoco que encontrara debaixo de uma pedra, aparecia sem aviso, de repente.


JG
Bruxelas aos 06 de Fevereiro de 2013