Pensados, ditos e escritos.

terça-feira, janeiro 25, 2011

Acordar ontem

Ontem acordei agudo e glacial, como a manhã de inverno que era.
Não gosto, recomeçando, como se ontem fora hoje, para que o escrito tenha mais propriedade sobre o sentimento sentido.
Hoje acordei agudo e glacial, sombrio como uma manhã de Inverno. É fina e aguçada, qual adaga num pulmão desprevenido, cheia de borrões cinza, com forma de gente a querer soltar-se desse lodo invernal. Há dias desses, em que a tristeza nos acorda o pensamento ainda antes de o corpo ser consciente, e parece que se fica estúpido, amorfo, por tudo no Mundo ser de uma imensa dificuldade, transcendente como essa tristeza quer fazer crer que é.
Não há grande explicação, apenas que o calor dos lençóis nos suga a alegria do ser e a água quente do duche queima de frio, e um pesar que me surge, como que por todos os pesares da gente do tempo.
Vejo em mim um ser de repulsa, que recusa a intervenção alheia no seu mal estar infundado, e que se corrói por cada vez que não deixa alguém entrar, com conversa, calor e desdramatismos.
Nestas manhãs em que sou Inverno, tudo o que olho gela, tudo o que toco queima, tudo o que tento é desânimo, preguiça, desalento concentrado.
Mas isso foi, já não tem ser.
Hoje vejo-me a acordar ontem, agudo e glacial, e tudo mais, mas desordenado.
Hoje vejo-me ontem, a desinvernar-me pela ordem. O Ser sempre precisa de uma ordem, seja ela de onde vier. Às vezes vem de coisas grandes como o fim de trabalhar, ou um vício largado. Outras de coisas pequenas. Ontem foi uma dessas, foi a barba que já era a mais e cortei-a. E foi uma paciência de santa e um Ânimo Grande, de Senhora, sempre ao meu lado.
Hoje vejo-me ontem a acordar, agudo e glacial, e tudo mais e desordenado. Mas hoje vejo-me ontem, com uma saída que só vale para ontem, mas que mostra que outras haverá, nos dias em que acordar Invernal.



João Moreira Pires
@CCB - 25/01/2011



(anexos: http://www.youtube.com/watch?v=FCLpqkIDlXs
http://www.youtube.com/watch?v=lBpq0BWQP3E )